O servidor da Comarca de Tubarão, Manoel Mathias Ferreira, lançou recentemente o seu terceiro livro: “O Signo e o Ser das Coisas Mesmas – Introdução a uma Filosofia das Duas Estruturas (Signo / Mundo)”. A Publicação aborda a filosofia de uma forma geral, fazendo a relação entre filosofia da natureza e filosofia da linguagem, pensando não ser possível separar as duas formas de filosofia.
Manoel Mathias Ferreira é Formado em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC (2006). Mestre (2011) e Doutor (2015) em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Unisul. Trabalha como Técnico Judiciário na Comarca de Tubarão, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Publicou em 2001 um livro de poemas intitulado “Nódoa & Orvalho” e, em 2015, outro de contos intitulado “Olhar Avesso”.
Confira a entrevista que a equipe de comunicação produziu com o autor:
Qual sua relação com a filosofia?
A minha relação com a Filosofia se dá dentro dos campos de pesquisa que estudo atualmente e nos movimentos sociais que participei durante minha vida. Minha participação inicial dentro de um amplo movimento popular denominado “movimento dos agricultores”, iniciado pela base da Igreja Católica, a partir do final dos anos 1980, foi que, mesmo não tendo ainda a formação escolar regular, já me despertou a necessidade de leitura da filosofia. Para dar um exemplo, com apenas a quarta série do ensino primário, no início da década de 1990, eu li inteiramente “O Capital” de Karl Marx. Quando complemento meus estudos regulares, o ensino fundamental e médio, no curso de formação para jovens adultos, no CEJA, de Tubarão, meu interesse pela literatura em geral (contos, poemas etc.) foi ampliado. Mas foi no Curso de Pedagogia da UDESC, 2001/2006, foi que minha leitura filosófica foi mais especificada. Meu interesse centrou-se na questão da cognição e sua relação com a linguagem. Foi aí que encontrei o Psicólogo russo L. S. Vigotski, por exemplo. Esse autor foi um grande materialista que estudava a relação língua/pensamento/cognição. Ele é uma das bases da minha teoria sobre as “duas estruturaras”, ou seja a relação entre “estrutura do mundo e a estrutura da língua” na formação da mente humana. A outra base fundamental da minha teoria é Ferdinand de Saussure, considerado o grande teórico da “linguística geral”. A leitura dessa última base teórica-filosófica eu vou encontrar no Curso de Mestrado e Doutorado em Ciências da linguagem na UNISUL, nos anos 2008/2015.
Por que ler filosofia?
Alguns autores dizem que a filosofia é “filha da religião e mãe da ciência”. Mas acredito que ela seja muito mais do que isso. Porque tanto a religião, que tem como base de “conhecimento da religação” do homem ao mundo a partir da “teoria da criação”, sendo a característica principal a “fé”, como também a ciência, que dá uma base mais concreta dessa “ligação” do homem como o mundo, nesse caso material/natural, que tem como característica a “certeza científica por meio de provas”, não conseguem suplantar a filosofia, que tem como característica principal a “dúvida”. A Filosofia faz e sempre vai fazer a problematização de todas as “formas de conhecimentos”, seja religioso, filosófico ou científico. Ou seja a “dúvida filosófica” não se acaba com a “certeza científica”, muito menos com a “fé religiosa”. Portanto não existe aí uma relação de filiação entre religião, filosofia e ciência, mas uma relação, usando o método hegeliano, de “dependência em oposição comparativamente crítica-conceitual”: Ou seja, a dúvida filosófica questiona ao mesmo tempo a “fé religiosa e a certeza da prova científica”, colocando questões éticas e metodológicas. A filosofia vai ser sempre necessária ao ser humano.
Qual seu início como escritor?
Como já falei anteriormente, foi a partir da conclusão do ensino básico regular, no CEJA de Tubarão, que entrei em contato com a literatura em geral. Lendo os poemas indicado pela professora de Português, descobri Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, entre outros. Especificamente, os poemas “Nova poética” de Manuel Bandeira, “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, e contos como “Vidas Secas” de Graciliano Ramos”, me despertaram o interesse pela literatura e a vontade também de escrever. Acho que o poema é sempre uma primeira forma de acesso à escrita, já que ele não exige muita forma e muita norma. A tal “licença poética” deixa o autor mais livre para expressar seus sentimentos, medos, desejos, fantasias, (in)certezas na sua percepção de mundo. Foi por aí que me entrei com a escrita. Meu primeiro livro de poemas, “Nódoa & Orvalho”, (2001), começa meu percurso de escritor. Em 2015, publiquei um livro de contos com o título “Olhar Avesso”. Com minha formação acadêmica, na ária da Pedagogia e da Linguística, começo aprender a escrever de forma mais Padronizada/normatizada. Mesmo assim, sigo um tipo de escrita não muito controlada, que tem relação com as teorias que adoto. Acho que todas as teorias filosóficas têm algum ponto de “verdade”. Por isso meu livro não segue um “academicismo” fechado, sendo bastante “sincrético” em termos acadêmicos. Isso se deve, inclusive, pela própria teoria que defendo. Quem ler o último capítulo do último livro lançado (2020), que trata da “ética da filosofia das duas estruturas”, vai entender o que eu estou falando.
A filosofia explica esse tempo que vivemos agora de tanta dilaceração econômica/política e nas próprias relações pessoais?
Como já falei a Filosofia não tem a “verdade” sobre os acontecimentos. O que ela faz é colocar questões, levantar dúvidas e apontar caminhos. Nesse sentido, penso também que a Filosofia não é somente “especulativa”. Ela analisa a realidade, propõe questões e aponta também caminhos. Desde os pré-socráticos (filósofos gregos que viveram antes de Sócrates) os filósofos já faziam esse trabalho. Ou seja, a Filosofia sempre foi e ainda deve ser crítica-construtiva para projetos humanos futuros. Muitos filósofos contemporâneos estão trabalhando sobre a problematização do mundo em que vivemos. Portanto, cada filósofo aponta questões, levanta suas dúvidas e aponta os caminhos que pensa corretos, a partir da teoria que adota. Acho que o problema central no mundo em que vivemos é a questão o “problema da comunicação”, que envolve a “democratização do direito à fala”. Para mim, esse é o problema central para a Democracia contemporânea. Penso que os filósofos que estudam o problema da comunicação por redes sócias têm muito a dizer sobre os problemas que enfrentamos na atualidade. Ao contrário de muitos pensadores contemporâneos, eu não sou pessimista. Acho que esse momento de “crise” vai nos possibilitar encontrar saídas para um novo tipo de convivência global. Não acho que estamos num momento de “dilaceração econômica/política e nas próprias relações pessoais”. Estamos sim num momento de “confusão”. Isso faz parte da contradição possibilitada pela própria “democratização da fala”. Vejo muito dizer que “as redes sociais deram voz a um grande número de imbecis”. Eu costumo dizer que “as redes sócias deram voz a um grande número de imbecis, inclusive a mim, a você e a todo mundo”. O direito à fala deve ser o primeiro direito fundamental do homem. Aristóteles dizia que “sendo a fala, a principal característica do homem, é muito mais honroso ser derrotado pela força do que pelo discurso”. Nesse momento da humanidade, estamos todos envolvidos no “discurso global” de que tipo de homem queremos ser e em que tipo de sociedade queremos viver. As redes sociais têm uma característica de retorno às aldeias, quando nos coloca nas “bolhas” em que cada um junta-se ao grupo pela crença que desenvolve. Mas, acredito que não haverá retorno às “comunas”, nossa tendência enquanto espécie é vivermos cada vez mais a aldeia global. Essa condição nos coloca diante de todos os problemas globais e pode apontar todas as saídas possíveis existente no globo terrestre. Afinal de contas, o ser humano sai das florestas, constrói comunidades e hoje “domina a face da Terra”. Nossa tendência é para dominação do espaço externo, não para o retorno à floresta, ou, o que é pior, para “o paraíso perdido”. Como esse paraíso é um mito, podemos nos destruir tentando encontrá-lo. Por isso, a maior contradição que eu vejo na atualidade é que a “vontade de poder” nos impulsiona para o espeço e o “medo do desconhecido” nos aprisiona nos guetos de paraísos fantasmagóricos.
Por dizer que “mundo e signos são estruturas diferentes/divergentes”, a teoria duas “estruturas” põem em questão a necessidade de uma ampla democratização do discurso. Por isso propõe uma ética para essa filosofia, ou seja, uma ética baseada no homem como centro. Afirmo, com essa ética, que o discurso não segue uma linha termo a termo em relação língua/mundo. As questões de “verdade, meia verdade, mentira e meia mentira” se entrecruzam no fio do discurso. Vemos na teoria da “pós-verdade”, essa discussão. Mas isso não é nada novo, os filósofos sofistas, já traziam essa discussão. Por isso, toda relação do homem com o mundo e com a língua é sempre convencional. O sistema de signos, a língua, é um sistema essencialmente convencional, já dizia F. de Saussure. Portanto, toda ação humana é regida pela linguagem que, necessariamente, é sempre convencionada. Ou seja, toda ação humana é essencialmente política. Como dizia o filósofo sofista Isócrates, “o homem é (deve ser) a base para todas as coisas”. Mas temos que ter em mente um homem geral e histórico. Não um homem particular. Por isso a necessidade de convencionalidade, realizada por acordos políticos. O que aprendemos historicamente tem que ser levado em consideração. Por isso, acho que a ciência deve definitivamente reduzir o campo de atuação da religião na vida humana. Essa é a grande guerra que estamos vivendo. A religião está acuada e agonizando. E um “ser” acuado sempre reage e é perigoso, mais não conseguirá sobreviver a não ser que se invista muito em ignorância. Mas o “homo sapiens”, de forma geral, não quer ser ignorante. Nunca uma formação humanista foi tão necessária como na atualidade.
Uma citação/reflexão do seu livro para esse momento que passamos?
Acho que a reflexão acima aponta um caminho. Sendo que a política é a saída e a Democracia, a mais radicalmente possível, é o meio para conseguir avançar no projeto de humanização. Caso contrário, retroagiremos a um passado muito pior do que vivemos hoje. Gosto de uma afirmação de Sócrates na disputa com os sofistas, tentando buscar o conhecimento, que cito no meu livro: “o teu e o meu consentimento é o fundamento da verdade.”
Qual a influência do teu trabalho ou do próprio judiciário nos teus trabalhos como escritor?
No geral o meu trabalho e o próprio judiciário não influenciam muito minha atividade de escritor e estudioso da linguagem. Mas o oposto pode ser verdadeiro. Em 2011, quando entrei no judiciário já estava concluindo o mestrado e já tinha bastante coisa escrita. Tanto em termos literários quanto acadêmico. Mas, a partir da minha entrada no judiciário e com o meu contato com os textos jurídicos, comecei a me interessar pelas formas do discurso jurídico. Tanto que minha Tese de Doutorado trabalha a questão da análise discursiva das sentenças por danos morais. Essa é uma escrita acadêmica que relaciona minhas produções com o meu trabalho no Judiciário.
No seu livro, você escreve: o tempo não existe, que ele é apenas um conceito”. Explique, por favor.
Bem, espero que no livro esteja mais ou menos explicado. Mas é uma questão mais ou menos complexa e que é fundamental para a “teoria das duas estruturas”. Quando todos compreenderem minha teoria das “duas estruturas”, vão compreender facilmente a não existência do tempo. Muitos físicos defendem que o tempo não existe. Mas eles trabalham fundamentalmente com fórmulas matemáticas. Sobre outra base de conhecimento, portanto. E a matemática, conforme defendo no meu livro, é uma “linguagem de segunda ordem” dependente da linguagem verbal/conceitual. Como afirmava o filósofo Hegel, a matemática é uma linguagem de superfície, que não diz nada do “ser mesmo”, apenas marca o aparecimento de uma certa unidade das coisas na sua relação com a multiplicidade. Por isso que Hegel dizia que “a verdade do ser é o conceito”. E é aí que eu trabalho. Conforme Hegel, o “ente do ser” aparece em duas condições: uma sensível, concreta, e outra ideal, abstrata/conceitual. Conforme teorizo, tempo só aparece como conceito. Não podemos pegar, tocar ou mesmo mostrar alguma coisa real que seja o “tempo”. Diferentemente do espaço, ou de qualquer outro objeto de origem natural, que tem a dimensão concreta e outra abstrata/conceitual, o tempo “aparece” somente conceito, definido pelas “marcas linguísticas” que temos para sua “observação/mentalização/idealização”. Ou seja, o “tempo é quantidade de movimento” marcado pela linguagem matemática de medição. O espaço concreto, podemos tocar, visualizar, mostrar, mas o tempo só pode ser “medido/mostrado/visualizado” pela linguagem matemática. Como conceito, sem sua dimensão concreta, o tempo somente pode ser pensado. No livro chego a comparar o conceito de tempo, com o “conceito” de Deus: eles somente existem na ideia. Mas nós lidamos com muitos conceitos linguísticos abstratos desse tipo. Amor. Felicidade, amizade, fadas, duendes, buracos negros etc…
Como você analisa a iniciativa do SINJUSC de se engajar no fomento à educação, diversidade, cultura?
O SINJUSC é um sindicato de trabalhadores. Como classe revolucionária, os trabalhadores têm o “dever moral”, diria Lênin, de estabelecer a linhas para emancipação de toda da sociedade. E a educação, cultural e científica, é o caminho para construção de uma sociedade em que ser humano esteja no centro de qualquer projeto, desde o início, meio e fim para construção de sua própria humanização. E a diversidade diz respeito a própria condição humana. Somos seres humanos no geral, mas somos indivíduos particulares. Compreender a dimensão da particularidade, faz parte da compreensão da integralidade/generalidade do que significa ser “ser humano”. Essa relação entre o geral e o particular, é própria da “definição conceitual” do que seria um ser humano. Essa é a filosofia dialética de Hegel.
Os três livros que você compôs têm, de alguma forma, conexão?
Em termos gerais sim. Os três livros são o “conteúdo explicitado” de minha “epistemologia de vida”. Quando começo escrever meus poemas, que têm de início uma crítica sócio-política, já começo estabelecer da forma escrita minha visão de mundo, minha filosofia de vida. Passo pelos contos, chego na escrita acadêmica e encaminho para filosofia mantendo essa base crítica.
Novos projetos?
“O signo e o ser das coisas mesmas: introdução a uma filosofia das estruturas (mundo/signo)”, como o próprio subtítulo já diz, é uma introdução. Toda introdução toca em questões gerais, ficando, às vezes, muitas lacunas que dificultam sua compreensão. No meu livro acredito que tenha algumas lacunas a seres desenvolvidas. Por isso, já estou desenvolvendo algumas coisas necessárias a serem melhor explicadas. Espero publicar, em 2022, um outro livro desenvolvendo alguns pontos que ficaram bastante superficiais. Creio que escrevi metade do próximo livro a ser publicado. Claro que sempre haverá margens de interpretação, conforme a própria teoria que defendo. Mas acho que todo autor em vida deve dar mais explicações sobre suas teses, para não deixar muito “buraco” quando ele partir.
Onde interessados podem adquirir os seus livros?
Esse último livro está disponível no site da Editora Mercado de Letras.