Alana Pastorini*
Nascido após a Constituição de 1988, o SIINJUSC foi criado para fortalecer a luta das trabalhadoras e dos trabalhadores, ativos e aposentados, do judiciário catarinense. Antes, durante e continuamente após sua transformação de associação para sindicato, o SINJUSC foi e é referência nacional em mobilização e garantia de direitos. Nessa linha do tempo, as mulheres ocuparam lugar de combate. E é sempre tempo de mapear e registrar essas lideranças, lembrando da sua importância.
Nos arquivos históricos do Sindicato, há material comprovatório da atuação delas no movimento sindical desde 1980, quando o SINJUSC ainda era associação, uma vez que antes da Constituição de 1988, os trabalhadores públicos não tinham o direito de constituir sindicatos.
GESTÃO PARITÁRIA
As servidoras Nedi Terezinha de Vila Moreira, Ignez Busnello Durgante, Soraia Joselita Depin, Valfrida de Oliveira e Liliane Fátima de Araújo são exemplos dessa atuação: por mais de uma vez compuseram a diretoria do SINJUSC e aprofundaram a incorporação das perspectivas de gênero na luta sindical.
“Aos pouquinhos fomos conquistando nosso espaço. E quando digo nós, é que a gente não estava sozinha. Quando íamos compor chapa, pensávamos em homens, mulheres, nas regiões litoral, oeste. O SINJUSC sempre teve mulheres representativas em sua direção, que trabalham de igual para igual em uma condução de assembleia, congresso ou tomada de decisões. Ter mulheres na direção não foi uma exigência, sempre foi algo espontâneo, visto como necessário”, conta a servidora Nedi Terezinha de Vila Moreira, da Comarca de São Miguel do Oeste, atuante no SINJUSC desde 1998.
Ela acrescenta que estar no SINJUSC é motivo de orgulho e representatividade às servidoras do Oeste. “Nós mulheres do Oeste sempre fomos muito ativas na luta sindical. Enfrentamos 12 horas de viagem pra ir e mais 12h para voltar, e, muitas vezes, tendo que levar os filhos, porque em certos momentos era a única maneira de estar presente na luta. E isso era uma realidade de muitas mulheres aqui do Oeste, foi algo marcante. Importante registrar a representação regional do Oeste, são demandas distintas por região. Outro marco importante, foi a campanha de 2002 do PCS, em que utilizamos uma balança. Tinham mulheres, homens brancos e negros. Era a força do judiciário em uma imagem”, finaliza.
Para Depin, que entrou no judiciário em 2000, a filiação foi seu ingresso no SINJUSC. Já em 2005, teve contato com dirigentes do SINJUSC, fez parte da construção da chapa, sendo eleita diretora. “Daí em diante, sempre estive bem atuante como servidora ou representante sindical. As mudanças no SINJUSC e na forma de gestão foram mudando com as conquistas das mulheres. Fomos observando como o SINJUSC ampliou a participação das mulheres dentro da diretoria e, também, sempre buscamos renovar as lideranças”, pontua.
Depin valoriza o empenho do SINJUSC em buscar representatividade feminina. “Sendo uma sociedade que expressa um mundo público só para homens, ter um sindicato que preza por representações paritárias, mesmo com o machismo, que também existe no sindicalismo, é motivo de orgulho. Também tínhamos preocupação em criar condições para que as mulheres participassem, efetivamente, e isso foi construído desde o início, e, hoje, a gente pode dizer que o SINJUSC conquistou a sua história e que seguimos avançando, com a participação de muitas de nós”, frisa.
Araújo concorda com as colegas de que ter mulheres falando por e para mulheres dentro do SINJUSC foi um marco.
“Ter mulheres falando de mulheres foi um grande avanço no Sindicato, porque eram pautas que não eram colocadas. Não se debatia a situação das mulheres, as demandas específicas. Tínhamos uma categoria majoritariamente composta por mulheres, mas que não falava de e para elas. Então, quando a gente começou a falar sobre isso e colocar mulheres dentro do sindicato para falar com as outras mulheres servidoras, a gente avançou muito. Porque começamos a promover esses debates e trazer a realidade da mulher dentro do judiciário, trabalho, sociedade”.
Liliane, no entanto, faz um paralelo do que avançou e em qual espaço da história a luta das mulheres ficou cercada à luta delas, como se mulher só pudesse falar de mulher. Mas reforça que os tempos exigem a repetição.
“A gente andou bastante no sindicato, mas reduzimos hoje a nossa participação a falar sobre problemas de mulheres. Mas esse debate ainda é muito necessário. Não se pode comprar a ilusão de que não precisamos mais falar ou que está todo mundo cansado de falar disso. As pessoas podem até estar cansadas de ouvir sobre isso, mas a realidade ainda traz muita violência e desigualdade. Ainda há especificidades muito marcantes para nós, mulheres. Então, é importante que nós, à frente do sindicato, possamos dar nossa contribuição em todas as outras áreas, incluindo a perspectiva da mulher trabalhadora, mas não apenas. Esse é o desafio”.
A ocupação delas dos espaços do SINJUSC foi ascendente. De filiadas para delegadas de bases, representantes regionais até a diretoria executiva.
“As últimas diretorias do SINJUSC se preocuparam em, além de ter mulheres na direção, ter servidoras liberadas para trabalhar na sede, em Florianópolis. A gente vê um destaque delas em fazer sindicato. E eu vejo como um grande marco da nossa trajetória e que impulsionou o fazer e permanecer das mulheres, a constituição do coletivo Valente. Paralelo a isso, as formações, os encontros, as edições da revista. Essas demandas que direcionam ao fazer política com perspectiva de gênero agregou muito a atuação e representativa do SINJUSC, acrescenta Ignez Busnello, liderança dos aposentados.
Outra importante liderança dos aposentados é a servidora Valfrida de Oliveira. Ela sublinha a importância do Coletivo Valente à luta do SINJUSC. “Participar do coletivo é fortalecer quem somos. É renovar nossa coragem, garra e vontade de continuar a luta por um mundo mais inclusivo, onde as mulheres acreditam e defendem sua efetiva participação numa sociedade machista e patriarcal que tem uma cultura agressiva e proprietária dos corpos femininos”, detalha.
A luta das mulheres é uma constância. É preciso vigilância e eco nas pautas. E dentro do Sindicato também é assim. A servidora Cristiane Müller, que participa pela segunda vez como diretora do SINJUSC, agora como liberada, traz um alerta importante: “Ao longo da última década diversas lideranças femininas emergiram da base, mas não se mantiveram no SINJUSC por muito tempo. Hoje temos um sindicato disposto a avaliar e enfrentar essa estrutura que afastou algumas mulheres das posições de visibilidade. E temos um coletivo feminista que pauta as questões de gênero e é rede de apoio às mulheres do SINJUSC”.
COLETIVOS COMO MARCADORES SOCIAIS DE GÊNERO E RAÇA|
O feminismo teve influência direta nas sindicalistas do SINJUSC, se manifestando de diversas formas: na promoção de formações sobre gênero, no questionamento da ideia de unidade da classe trabalhadora, na busca pela igualdade de poderes entre homens e mulheres; na discussão da sobrecarga da mulher trabalhadora e da divisão social histórica entre homens e mulheres, no debate sobre a interseccionalidade, na atenção à saúde mental da mulher e especificidades das situações de discriminação cruzadas (uma mulher, negra e pobre, por exemplo, pode sofrer ao mesmo tempo discriminações de gênero, raça e classe, como muito bem sublinha o estudioso do sindicalismo no país, José Luiz Soares, da URFJ.
Sob essa ótica de trazer a interseccionalidade ao SINJUSC e de avançar nas teorizações e pautar mecanismos de mudanças, foram formados os Coletivo Negras e Negros e o Coletivo Valente.
O primeiro constituído foi o Valente, em 2019. Nesses quatro anos de institucionalização organizativa das servidoras do Judiciário muito foi e segue sendo feito: formações, encontros, grupo de leituras e apoio às demandas afetivas e trabalhistas, produção anual dessa revista, entre outras atividades.
“O coletivo valente é responsável pela minha compreensão do feminismo na vida prática, para além dos conceitos dos livros. Feminismo e consciência de classe, a luta com as companheiras para uma vida mais digna para todas e todos. O caminho que eu penso para o coletivo tem a ver com o aprofundamento do debate político e do feminismo e com a construção de ações concretas que possam trazer mais mulheres para a luta contra a violência de gênero e em prol da classe trabalhadora”, valoriza a diretora do SINJUSC, Carolina Costa Rodrigues.
A servidora Daniele Burigo participou da institucionalização do coletivo, e acrescenta à história do movimento que a ideia nasceu no primeiro encontro de mulheres, realizado em 2017.
“Fomos aproximando cada vez mais mulheres interessadas em participar e acolhendo a todas, inclusive abrindo para mulheres de fora do judiciário. Hoje o coletivo é um grupo forte, consolidado e que se reúne para estudar, conversar e acolher, discutindo nossas angústias enquanto mulheres na estrutura do Estado e sociedade. Tenho muito orgulho de ter sido uma das precursoras do coletivo Valente”, sintetiza.
Já o Coletivo de Negras e Negros nasceu dois anos após, em 2020, da necessidade de ampliar as discussão sobre racismo, desigualdade, preconceito, discriminação e invisibilidade. Até 2020, o Tribunal contabilizou cerca de 400 servidores autodeclarados negros, entre pardos e pretos.
“Eu participo do Coletivo porque é um espaço de mobilização, reflexão e luta. É, também, espaço de propor ações que podem contribuir para mudança do modelo societário que está posto, isso é, um modelo excludente, perverso, racista e extremamente desigual. Sigo acreditando que só avançaremos juntas, juntos, lado a lado”, aponta Rosilene Aparecida da Silva Lima, Assistente Social na comarca de Lages.
Para o servidor Wagner Luis Padilha, da comarca de Canoinhas, participar de coletivos é fazer o enfrentamento ao sucateamento do serviço público. Ele acrescenta que o mundo vive um momento histórico de descrédito a valores e a instituições, provocando uma acentuada crise político-social e moral-psicológica na sociedade, intensificando de forma drástica problemas como o racismo, o preconceito e a discriminação social.
“É responsabilidade de cada indivíduo se filiar às redes que tenha à sua disposição a fim de se posicionar, debater e tomar consciência, somando na luta e na defesa de direitos. Pois apenas através dessas redes coletivas é possível uma ação realmente efetiva enquanto indivíduos, e que somadas fortalecerão mais redes, que fortalecerão outras redes, manifestando, assim, através de pequenos movimentos, a força de um Coletivo. De forma mais específica, vejo no Coletivo de Negros e Negras do Judiciário Catarinense a possibilidade de levar à discussão assuntos e cenários que são do cotidiano dessa categoria em específico, somando no debate coletivo em nossa sociedade, acrescentando um ponto de vista interno e/ou mais específico, e contribuindo na efetividade de ações voltadas à defesa e representação de direitos da categoria em relação aos assuntos antes mencionados”, exalta Padilha.
É jornalista e coordenadora de comunicação do SINJUSC*
PUBLICAÇÕES DA REVISTA VALENTE|
Esse artigo foi originalmente e de forma exclusiva produzida para a 7ª edição da Revista Valente. Para ler o artigo na revista ou ouvir o áudio texto, CLIQUE AQUI.