Ednaldo Martins Silva Oliveira, Técnico Judiciário do TJ SE, coordenador de Política Sindical e Relações Internacionais da Fenajud e membro Suplente do Subrac Brasil da Internacional de Serviço Público – ISP, é um dos debatedores do 9º Congresso do SINJUSC, que ocorre agora em maio, dias 26, 27 e 28 de maio.
Oliveira participa da mesa “As políticas de austeridade e o futuro do serviço público brasileiro“, no dia dia 27, a partir das 9h20. Com exclusividade, o Núcleo de Comunicação do SINJUSC entrevistou a profissional. Confira:
1) Por que é importante a organização nacional e até internacional de trabalhadores do serviço público estadual?
Embora no âmbito do Estado não tenha a figura do proprietário dos meios de produção, é através de seus mandatários e gestores que no serviço público, tal como na iniciativa privada, ocorrem entre os trabalhadores públicos as relações de trabalho nos vários níveis de governo, na estrutura estatal. É neste ambiente aonde a força do poder das gestões versus o trabalho, os conflitos e contradições do atual regime de produção, ficam expostos. Para fazer frente a essa desigualdade, a luta dos trabalhadores assegurou a existência dos Sindicatos de Servidores Públicos legalmente no Brasil a partir da Constituição de 1988, quando os servidores públicos foram alcançados com o direito à livre associação sindical. A existência do movimento sindical do serviço público é vital para defesa do serviço público de qualidade e das legítimas reivindicações dos seus trabalhadores. No plano estadual e nacional, as entidades sindicais lutam continuamente por melhores condições de trabalho, valorização salarial, combate a todas as formas de violência, assédio e adoecimento, e contra a retirada de direitos e desmonte das políticas públicas. Sem a sua existência, importantes direitos dos atuais trabalhadores públicos não teriam sido alcançados. Para além da representação de classe, os sindicatos são instrumentos de defesa do trabalhador no aspecto individual, principalmente, quando sofrem algum tipo de violência nas relações de trabalho. Imaginem um servidor público numa situação de assédio moral sem a proteção jurídica e política da atuação do sindicato em sua defesa. No plano internacional, os organismos de representação dos trabalhadores atuam no fortalecimento das entidades filiadas, lutam contra as recorrentes práticas antissindicais, promovendo queixas nos fóruns adequados, no âmbito da OIT – Organização Internacional do Trabalho, atuam nos fóruns para aprovação de normas que protejam os trabalhadores e, também, na formação dos quadros dirigentes sobre aspectos do trabalho.
2) Quais as principais bandeiras de luta dos servidores públicos no mundo hoje?
Os trabalhadores públicos no mundo lutam continuamente por valorização salarial, melhores condições de trabalho, em desfavor da violência e assédio moral, e, também, pelo respeito à liberdade organização sindical dos trabalhadores e por uma aposentadoria digna. Outra relevante ação do movimento sindical tem sido a luta contra o desmonte das políticas públicas, as privatizações e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores públicos. Parte considerável das questões assinaladas, são consequências da política econômica baseada no ideário neoliberal em curso na maior parte das economias do mundo, que se baseia regras econômicas, por exemplo disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, privatização das empresas estatais e desregulamentação das leis que disciplinam as relações de trabalho.
3) Como a luta da Fenajud se articula com a luta da Internacional do Serviço Público?
Antes de responder o questionamento, é necessário apresentar a Internacional do Serviço Público. A ISP é uma federação sindical global que representa mais de 20 milhões de trabalhadores que prestam serviços públicos vitais em 163 países, com mais de 110 anos de história. A internacional defende os direitos humanos, a justiça social e o acesso universal a serviços públicos de qualidade. A Federação, como entidade filiada ISP, além de participar dos comitês internos da Internacional, nos quais são debatidas e encaminhadas ações no universo da mulher e do jovem trabalhador, no último período, diante das práticas antissindicais no âmbito do judiciário, foram apresentadas queixas perante a OIT, em desfavor de fatos ocorridos no âmbito dos tribunais de justiça do Ceará, Tocantins e Maranhão. No decorrer da pandemia, a ISP e suas entidades filiadas promoveram importantes iniciativas em defesa do trabalhador e do serviço público. Por exemplo, na campanha “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, foi possível constatar, através de pesquisa, a quantidade insuficiente de EPI’s; profissionais de saúde que não foram devidamente treinados para atendimento dos pacientes com coronavírus, e relatos de sofrimento psíquico em função deste quadro. A defesa por Vacinas e Proteção para todos. Por fim, faço o registro de mais uma importante ação da Internacional e suas filiadas no mundo, a luta para que os países ratifiquem a Convenção nº 190/2019 da OIT. A norma reconhece o direito de todas as pessoas a um mundo de trabalho livre de violência e assédio, e fornece uma estrutura comum para ações.
4) Como você vê a unidade produzida pelos servidores brasileiros na luta contra a PEC 32?
Vejo como algo extremamente valioso e que deve ser aperfeiçoado e mantido pelos próximos anos. Essa unidade política construída em torno da PEC, ao meu ver, é fruto do amadurecimento da maioria das direções das entidades sindicais dos trabalhadores públicos, de todos os níveis, ou seja, dos sindicatos, passando pelas federações até as confederações e centrais, que compreenderam que só seria possível frear e derrotar esta proposta legislativa se estivéssemos unidos, organizados e agindo coletivamente, principalmente, depois do desmonte provocado pela reforma trabalhista do Governo Michel Temer, que ao excluir umas das principais formas de financiamento das entidades, não criou outra para substituir. Um outro componente valioso nesta luta, que não poderia deixar de citar, foi o papel imprescindível dos parlamentares da Frente Parlamentar de Defesa do Serviço Público tanto na luta institucional no parlamento como junto à sociedade.
5) É possível manter essa unidade no longo prazo? Sim sim, como? Se não, porquê?
Acredito que sim. Vejamos: embora no âmbito do movimento sindical brasileiro exista diferenças de concepção, algo primordial nos une: a defesa do trabalhador e da trabalhadora. Neste sentido, a nossa unidade de ação dever ser estabelecida em torno de projeto político sindical que não só atenda aos anseios imediatos dos trabalhadores públicos e privados, como também defina qual tipo de Estado almejamos, visto que está definição estabelece a existência do serviço público em maior. Além disso, é preciso apresentar propostas que protejam o trabalhador nas suas relações de trabalho e assegure a sua autonomia e liberdade de organização coletiva.
6) O tema do 9º Congresso do SINJUSC é “Esperança é verbo”, um chamado para a ação, visto que verbo é ação. Como você vê a ação sindical em tempos de redes sociais e no pós-pandemia?
É necessário que o movimento sindical também faça uso das mídias sociais. Defendo que não seja utilizado apenas como um instrumento de comunicação entre os sindicatos e os seus filiados, é preciso aproveitar essa ferramenta para fazer a defesa do serviço público. No decorrer da campanha em desfavor da Reforma Administrativa, ficou patente a sua importância para convencer a sociedade dos malefícios do projeto. No entanto, faço uma ressalva, as mídias sociais não podem substituir as relações sociais entre as direções das entidades sindicais e a base de servidores. O contato e o diálogo presencial franco e transparente, continua sendo algo necessário para convencer os trabalhadores de qual lado da história devem estar.
7) Um debate que tem crescido no Brasil, sobretudo na academia, trata dos efeitos da jornada laboral sobre a saúde mental dos trabalhadores. Que debate tem sido feito em relação a essa questão no movimento internacional dos servidores públicos?
A ISP, em cumprimento ao seu plano de ação, aprovado no seu último congresso, no ano passado, iniciou um importante debate, com a participação dos representantes das entidades filiadas, sobre o impacto da digitalização dos serviços públicos. Esse processo tem sido ampliado nos últimos anos, e ocorre de forma mais intensa em alguns setores da administração pública. A partir das exposições, foi possível observar, a partir das experiências descritas pelos dirigentes sindicais, que a virtualização aumenta consideravelmente a produtividade e a intensidade do trabalho, e estabelece a criação de padrões de produtividade. O resultado tem sido o aumento da pressão psicológica pelo cumprimento de metas, do assédio moral e adoecimento mental dos trabalhadores. De acordo com dados da OMS, os transtornos psicossomáticos estão entre as principais causas afastamento de trabalho do mundo. Infelizmente, centenas de milhões de pessoas sofrem em todas as partes do mundo com a depressão. Outras 260 milhões, vivem com transtornos de ansiedade. Os transtornos mentais comuns acometem parcela significativa dos trabalhadores e, se nada for feito para frear esse adoecimento, que tem, em parte significativa, relação com o ambiente e as relações de trabalho, será a principal causa de incapacidade nos próximos anos. Um dano ao trabalhador adoecido e à sua família. Com base nesses dados e na observação a partir da experiência na representação dos trabalhadores, o movimento sindical, além da defesa da ratificação da Convenção 190 da OIT pelos Estados-membros, começa a dar os primeiros passos na perspectiva de melhor na compreensão este processo e apresentar propostas para estabelecer um ambiente de trabalho decente e sadio.
8) A redução da jornada de trabalho ainda é uma bandeira importante na luta internacional da classe trabalhadora? Porquê?
Sem dúvidas, o debate sobre a redução da jornada de trabalho é uma pauta permanente e necessária da classe trabalhadora ao longo de sua história no mundo. Segundo estudos, no final do século XIX, trabalhadores no mundo e, também, no Brasil tinham, em média, extenuantes jornadas de trabalho de 14 horas. A luta dos trabalhadores brasileiros, no início do século XX, já pleiteava uma jornada diária de 8 horas. Infelizmente, até a presente data, esse objetivo não foi alcançado, não obstante a luta dos trabalhadores ao longo dos anos. A última conquista do movimento sindical do Brasil nessa seara foi a importante redução de 48 para 44 horas semanais assegurado na constituição federal de 1988. Na França, por exemplo, desde 2000 a jornada foi reduzida para 35 horas semanais em empresas com mais de vinte trabalhadores, e, em 2002 nas demais. No Conclate realizado esse ano, as centrais sindicais aprovaram em seu plano de ação e de propostas aos Presidenciáveis, mais uma vez, a jornada de 40 horas. No âmbito do serviço público, há jornadas específicas em função da categoria. No Judiciário, atualmente, há jornadas de 6 a 8 horas diárias. Pois bem. A manutenção dessa pauta é necessária para que trabalhadores possam ter mais tempo com a família, aprimoramento pessoal e seu próprio bem-estar. Os atuais níveis de produtividade alcançados pela força de trabalho em vários setores da economia, com o uso das novas tecnologias, são superiores quando comparamos com a produção de bens e serviços de duas décadas atrás. Por exemplo, no âmbito do judiciário, com o advento do processo eletrônico, os níveis de produtividades dos servidores são bem mais expressivos quando se compara com o processo no meio físico. Logo, a jornada de 6 horas contínua se mostra suficiente para alcançar níveis satisfatórios de prestação de serviço à sociedade. Acima disso, os níveis de intensificação do trabalho crescem, podendo levar ao esgotamento mental e ao adoecimento psíquico dos trabalhadores. Por fim, com a ampliação do trabalho remoto (teletrabalho) em vários setores da economia e do serviço público, é preciso criar uma legislação que proteja o trabalhador, visto que é exigido dele o cumprimento de metas num patamar superior à dos servidores em trabalho presencial, sob o mero pretexto que tem o privilégio de trabalhar em sua residência, sem levar em conta outros aspectos que não são postos em consideração, a saber: os gastos com serviço de internet e energia elétrica, a responsabilidade pela aquisição e manutenção de equipamentos, entre outros. Levando-o a longas jornadas de trabalho para alcançar as metas. Portanto, essa questão já se constitui numa mais nova linha de ação sindical na defesa da saúde do trabalhador e da desconexão, tendo em vista que nesta modalidade a jornada é flexível.
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