Ilustração @mao.negra

O tema da redação do Enem 2023 e o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero

Por Coletivo Valente

“Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” foi o tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano de 2023.

O tema da redação do Enem do presente ano ajudou a abrir o debate a respeito da sobrecarga de trabalho das mulheres brasileiras, bem como da necessidade de ser pensar políticas públicas de apoio e de proteção social mais robustas para este público que cuida de crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos, num cenário em que estão   massivamente no mercado de trabalho e com aposentadorias cada vez mais postergadas e precarizadas.

As chamadas ‘lentes de gênero’ são também propostas pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero – lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em outubro de 2021 – instrumento que deve ajudar os profissionais que compõem o sistema de justiça a conseguirem compreender e enxergar que o trabalho das mulheres precisa sair da invisibilidade, que deve ser reconhecido, valorizado, bem como de  que muitas reparações ainda precisarão acontecer.[1] Alvissareiro que mesmo antes do lançamento do Protocolo do CNJ, ainda em 2020,  a Associação de Juízes Federais do Brasil já estava atenta a questão da invisibilidade do trabalho da mulher e elaborou a cartilha: “Julgamento com Perspectiva de Gênero: Um Guia para o Direito Previdenciário.”

As mulheres do campo, da pesca e do extrativismo, embora historicamente tenham contribuído para geração de riqueza das suas famílias e da sociedade, sempre enfrentaram mais dificuldades que os homens para comprovarem sua condição de trabalhadoras, de seguradas pela previdência e usufruírem de proteção, de acessarem direitos previdenciários quando de eventos como a velhice, a morte, de acidentes, da maternidade, dentre outros. Observamos que para as mulheres que por diferentes motivos precisaram realizar um divórcio e assumir a guarda de filhos e filhas, a sobrecarga de trabalho é ainda maior, sendo que nos últimos anos advogadas feministas começaram a pontuar em Ações de Alimentos e de Revisão de Alimentos a questão do “capital invisível investido na maternidade”. Nesses processos, apontam as consequências desta questão na vida das mulheres e a necessidade do trabalho realizado pelas mesmas ser considerado no cálculo da pensão alimentícia. A partir desses posicionamentos, já passaram a ser firmadas decisões favoráveis às mulheres, reconhecendo esta tese.[2]

A advogada Isadora Forgiarini Balem (2023) pontua que essa condição de principal cuidadora implica em sobrecarga física e mental, empobrece a mulher e contribui para desigualdades de gênero na sociedade, já que o cuidado com a prole exige mais recursos financeiros e de tempo, o que se dá às custas da sua própria qualificação, crescimento profissional, lazer e descanso.[3] Além disso, a ausência paterna, a precariedade das políticas públicas e a sobrecarga das mães também costuma aparecer em ações judiciais  envolvendo crianças e adolescentes que precisaram ser abrigadas em Serviços de Acolhimento.

Desta forma, sempre necessário, dentro do possível/recomendado, que os genitores também sejam chamados a estarem mais presentes, quer materialmente, quer na divisão dos cuidados da prole. Nesse sentido, por reconhecerem que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero possui um grande potencial para que práticas consuetudinárias dentro do sistema de justiça sejam revistas, as mulheres que integram o Coletivo Valente seguirão pleiteando por capacitações, formações e maior divulgação do referido documento junto aos seus próprios trabalhadores e trabalhadoras, bem como da sociedade em geral.


[1] Interessante a leitura do livro de Silvia Federici: “ O Ponto Zero da Revolução: Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista”  da Editora Elefante, 2019.

[2] Ver artigo  “ O capital invisível investido na maternidade” da advogada Ana Lúcia Dias da Silva  Keunecke na Revista CartaCapital de 03/05/2019.

[3] BALEM, Isadora Forgiarini. É batata: O não pagamento de alimentos como forma de violência psicológica a mães em litígios judiciais familiares.  In: Protocolo para Julgamento  com Perspectiva de Gênero: aplicações, conceitos e práticas. Organizadoras:  ANTUNES, Ana Paula; BARBOSA, Gabriela Jacinto; EULÉTERIO, Júlia Melim Borges. Florianópolis: Habitus, 2023.

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