Artigo baseado na obra “O Futuro é Público” do Transnational Institute

O futuro é público: a onda mundial de reestatizações no século 21

O serviço de água e esgoto da cidade de Valladolid, na Espanha, que em 20 anos sob administração de uma empresa privada acumulou aumento de 37% na tarifa cobrada dos consumidores, foi reestatizado em 2016.

Já a pública Aquavall, que assumiu o serviço, economizou mais de € 13 milhões, cerca de R$ 73 milhões, para os cofres públicos, em apenas dois anos de operação. Além disso, todos os trabalhadores foram absorvidos pela companhia pública e a maior parte do superávit gerado pela Aquavall é investido em melhorias nas redes de distribuição e coleta de água e esgoto.

Esse é só um dos mais de 1400 exemplos trazidos pela publicação “The Future is Public: Towards Democratic Ownership of Public Services” do Transnational Institute. Trata-se de uma organização que há mais de 40 anos financia pesquisas sobre sustentabilidade a partir de um viés democrático.

De acordo com a pesquisa, entre 2000 e 2019, 1408 reestatizações e estatizações aconteceram em cerca de 2400 cidades de 58 países. O estudo enumera ainda vantagens do serviço público sobre o setor privado: redução de custos, melhoria dos serviços prestados, redução do risco de falência, promoção de direitos humanos e sociais, redução do trabalho precário, maior estímulo à economia, etc.

Outro exemplo trazido pela publicação foi a reestatização da companhia de coleta de lixo da cidade de Kragerø, na Noruega. A administração municipal decidiu reassumir a empresa depois que os trabalhadores denunciaram que a RenoNordem corria risco de falência. Como consequência da reestatização a taxa de coleta de lixo foi reduzida em 14% e os salários e pensões dos empregados aumentaram, sem a necessidade de qualquer demissão.

Morgan Martini e Kjell Arne são dois trabalhadores que foram empregados diretamente pelo município quando a cidade retomou o serviço de coleta de lixo.

A Alemanha foi o país que mais estatizou durante o período pesquisado: foram 411 casos tendo destaque para o setor energético com 300 serviços e redes retomados pelas cidades graças a uma política do governo federal. Em segundo lugar vêm os Estados Unidos com 230 casos, dos quais 145 são de empresas de telecomunicações que passaram para o controle público com a finalidade de estimular a economia, a educação e a saúde. Com 156 casos, dos quais 109 são de serviços de água e esgoto reestatizados, inclusive de grandes cidades como Paris, a França ficou em terceiro lugar.

A fonte gratuita localizada em frente à Companhia Pública de Água de Paris, Eua de Paris.

O Brasil contou apenas com quatro reestatizações, duas de empresas de água e esgoto, um serviço de saúde e um serviço de educação. Atualmente, a Light, fornecedora de energia na cidade do Rio de Janeiro e na Baixada Fluminense, deve mais de R$ 12 bilhões e ameaça falir. Privatizada há quase 30 anos, a Companhia alega que a crise foi causada pelas “perdas não técnicas”, ou seja, furto de energia.

O problema já existia quando os investidores privados assumiram o controle da Companhia e só aumentou nas últimas três décadas por causa do crescimento do número de regiões populosas controladas pelo tráfico de drogas e pela milícia, ou seja, um problema que só o Estado pode resolver. O Governo Lula também discute reverter a recente privatização da Eletrobras.

Por fim, os pesquisadores concluíram que os serviços públicos são mais importantes do que nunca em face da catástrofe climática, do crescimento das desigualdades e da elevação da instabilidade política no mundo todo. Para os estudiosos, a pandemia de Covid-19 revelou os efeitos desastrosos da austeridade, dos cortes na seguridade social e da privatização dos serviços de saúde, mas mostrou também como os serviços públicos e as pessoas que neles trabalham são realmente a base de uma sociedade saudável e resiliente.

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