Parte 2
SINJUSC – Além de propor leis que privilegiam a contratação sem concurso, ‘esquecer’ de criar cargos de especialistas em Direito nas assessorias de promotores e procuradores, o que mais o Ministério Público de Santa Catarina tem?
Gilmar Rodrigues – O Ministério Público catarinense protagonizou uma experiência interessante. Foi vanguarda, no Brasil, na aplicação de um novo conceito para o estágio. Como se sabe, o estágio cabe a estudantes do Ensino Médio e a universitários da graduação, conforme a área e especificidade. Santa Catarina criou o programa “MP Residente”. Para acessar a vaga desta modalidade de estágio, é necessário estar em uma pós-graduação, especialização, mestrado e doutorado. Ou seja, escapa de qualquer contorno que se tenha na legislação brasileira sobre estágio. Não existe nenhuma regulação sobre o assunto. Mas esse estágio existe no MP, tanto que em 2012 havia 402 vagas em Santa Catarina, e ssas vagas foram negociadas para a implementação de mais uma daquelas leis absurdas que criam cargos comissionados. Sob a promessa de acabar com o MP Residente, a Assembleia Legislativa aprovou a transformação dos 402 estágios de pós-graduação em assessorias por nomeação sem concurso. Sabe o que aconteceu? O número de vagas para indicados cresceu em 402 e o MP Residente não foi extinto. Ou seja, bem feitas as contas, o MPSC ‘ganhou’ mão-de-obra barata com 402 estagiários de alto nível, da pós-graduação, e ainda passou a indicar e contratar sem concurso mais 402 assessores. Acontece que essa ‘ideia’ do estágio do Ministério Público catarinense não ficou somente por aqui: se espalhou por todo o Brasil, em ministérios públicos e também no judiciário. Então, além de precarizar contratos de assessores que entram sem concurso, o MP Residente também precariza pós-graduados, sob a alegação de que realizam um estágio que não existe. Mais uma vez, como se vê, a opção política de quem dá rumo do MP é pela precarização e contra o concurso.
SINJUSC – E de outro lado, por que há pessoas que aceitam essas situações?
Gilmar Rodrigues – Apesar da bolsa para o estagiário ser baixa para quem está na pós-graduação, muitos aceitam porque têm interesse em fazer concurso para membro do Ministério Público. O mesmo acontece com os assessores precarizados. Todos enxergam uma possibilidade de contatos e aprendizagem de como funciona o sistema para mais tarde tentar o concurso. É do mesmo jeito que acontece no judiciário, com seus assessores nomeados e estagiários e voluntários. O MP e o judiciário tem atuações semelhantes nesses casos. Um tenta repetir o outro, desde que o benefício não seja para seus trabalhadores. Exemplo disto é o auxílio médico-social, conquistado pelos trabalhadores do judiciário mas que foi negado para os concursados do Ministério Público catarinense.
SINJUSC – Quando se diz que há uma orientação política do MPSC em práticas como a contratação sem concurso, também se deve afirmar que a Assembleia Legislativa tem a mesma visão, porque foi ali que se aprovou a lei que permitiu tal situação…
Gilmar Rodrigues – Primeiro é preciso destacar que o Ministério Público preciso de força de trabalho, dessa que aí está e muito mais. A questão central é como se dá o acessa. Se a proposta do MP é contratar sem concurso, envia projeto de lei para a Assembleia nesse sentido, e atuará pela sua aprovação. Tanto o MPSC quanto o TJ trabalham muito forte junto a deputados estaduais, quando lhes interessa. E quando se trata do judiciário e do MP, parece que os deputados temem contestar ou votar contra, ou alterar os projetos. Ocorre que muitos deputados tem relação às vezes até submissa, ficam com medo de atuação MP, e acabam levados a tomar determinadas posições por esses sentimentos. Cito como exemplo a criação de 402 cargos comissionados sem concurso, aquele cuja promessa era acabar com o MP Residente. Na justificativa, para fazer de conta que não haveria nenhum problema diante da relação concursados/comissionados, o Ministério Público colocou promotores e procuradores somados aos concursados. A Comissão de Constituição e Justiça da Alesc não viu problema nisso. Já a procuradora-geral da República atacou esse ponto. Raquel Dodge afirmou que não é possível colocar na mesma conta os membros do MPSC e concursados somente para disfarçar o desequilíbrio diante do gigantesco número de assessores sem concurso.
SINJUSC – Essa atuação ocorre somente junto aos deputados estaduais?
Gilmar Rodrigues – Claro que não. Os ministérios públicos de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná inauguraram, recentemente, um espaço no Distrito Federal, para articulações políticas em Brasília. Consideramos isso legítimo, porém essas articulações não podem se limitar somente aos interesses dos membros, mas sim a todo o MPSC.
SINJUSC – Diante do que está acontecendo, a luta dos trabalhadores persiste: é contra a precarização e a defesa do concurso público.
Gilmar Rodrigues – Precisamos da consciência do que é trabalho precarizado e de sua diferença com o concursado. Isto parece um pouco difícil de fazer avançar agora, uma vez que o Brasil torna normal uma série de desgraças para trabalhadores público e privado. A tarefa não é fácil, mas está colocada para os sindicatos e outras organizações de trabalhadores. E é necessário levar esse diálogo também para a sociedade. As pessoas precisam saber que o tempo de tramitação de um processo cai pela metade se quem nele atua é de carreira, é concursado, e que não haverá interrupções porque um promotor ou um juiz foi transferido e levou junto sua equipe e a que assumirá seu lugar precisará de dias ou meses para tomar pé de toda a situação do gabinete.
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