Carolina sendo carregada pelas companheiras de diretoria no dia da posse da atual gestão do SINJUSC

“Me entender como uma figura política tem sido um processo longo e sempre inacabado”

Entrevista de Alana Pastorini, jornalista e coordenadora de comunicação do SINJUSC

Carolina Costa Rodrigues ocupa a presidência do Sinjusc desde janeiro de 2023. A assistente social do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) é a primeira presidenta do sindicato em 34 anos da entidade. Nessa entrevista exclusiva, Rodrigues compartilha seus projetos coletivos, inspirações a outras mulheres, contesta o que é ser revolucionário e convida as leitoras e os leitores a entender o que é e o que faz uma sindicalista. 

O SINJUSC já teve mulheres na diretoria, vice-presidência, mas como presidenta, é a primeira vez. Qual o desafio de assumir esse cargo, especialmente sendo a primeira mulher à frente do sindicato?

É importante sinalizar que ainda não vivemos em condições de igualdade com os homens. Essa igualdade se torna ainda mais distante quando falamos das mulheres trabalhadoras, que ainda experimentam uma vivência fortemente marcada pela exploração. Ora, quem tem vivido para servir os demais, para dar suporte à vida social e familiar dos maridos, dos filhos, dos irmãos, dos pais e de tantos outros familiares, nunca será bem-vinda nos espaços públicos e de poder. Porque nossos familiares não querem nos dividir com mais ninguém e nossos companheiros de luta não querem que sejamos exemplo às mulheres de sua convivência. Eu tenho observado no movimento sindical muitos homens que defendem a pauta feminista quando os exemplos são de mulheres que estão distantes, que não podem mexer em seu lugar de conforto ou nas facilidades cotidianas que gozam simplesmente por serem homens. Quando a demanda por igualdade vem da companheira que está ao lado, as coisas mudam de figura. Eu fui “desestimulada”, por mais de uma pessoa, a concorrer à Presidência do Sinjusc sob a justificativa de que a categoria não estaria preparada para ter uma presidenta mulher. Detalhe: nós estamos no século XXI, em um sindicato com 34 anos de existência e tendo uma base composta majoritariamente por mulheres. Obviamente, esse conselho não partiu de nenhuma mulher. O desafio de conduzir o sindicato é o mesmo que minhas companheiras enfrentam nos fóruns, em suas casas, na busca por qualificação profissional, autonomia e respeito. O desafio é de sermos ouvidas e encontrarmos espaço para colocarmos nossos planos, nossa experiência e nossa capacidade em prática. Nós, mulheres, somos a maioria da classe trabalhadora, nós somos a classe trabalhadora com todas as suas nuances e, por isso mesmo, temos plenas condições de desencadear as transformações necessárias que garantam mais direitos e uma vida digna para todos. Os desafios são os de sempre, construir uma sociedade mais justa e avançar na igualdade das mulheres – assim como avançados são os satélites que orbitam hoje no espaço.  

Esta revista foi lançada no segundo semestre de 2023, até aqui, temos uma métrica de você como presidenta. Como tem sido?

Eu entendo que nós estamos caminhando bem. Temos um grupo formado em sua maioria por mulheres, muitas em sua primeira atuação sindical, e para mim é muito importante consolidar o grupo e criar um ambiente saudável de militância para as mulheres. Eu penso que temos conseguido isso. Nestes meses, pensamos o tema da comunicação, os eixos organizadores de luta, a formação, a participação nos espaços de política sindical, fortalecemos o NAP e os coletivos. Nossa 1ª assembleia foi excelente, visitamos as Comarcas, aumentamos as filiações, construímos uma campanha salarial de maneira coletiva. São muitas coisas e precisávamos que fosse assim para sermos legitimadas enquanto grupo e força política nesse lugar. 

Embora cansativo, é preciso repetir até não ser mais necessário: quais as rotinas de machismo que você tem passado? Como isso impacta a sua luta dentro do Sinjusc? 

O machismo se expressa de diferentes maneiras, todos os dias. Eu consigo perceber muitas diferenças se comparo as cobranças que eram feitas à gestão anterior presidida por um homem e a atual gestão presidida por mim. Essas cobranças podem ser diretas ou sutis, de maneira ríspida ou com voz mansa. O mais marcante para mim é que elas não acabam nunca e são feitas, em sua esmagadora maioria, por homens. São feitas no sentido de enfraquecer nossa legitimidade para ocupar o espaço sindical. Há momentos em que os argumentos questionam nossa capacidade de reflexão e ação sobre a vida atual;  em outros,  nos julgam de ignorar a história; além disso, também somos facilmente pintadas como autoritárias. Não obstante, eu preciso registrar que tenho recebido muito apoio e força nessa jornada. 

Há uma polarização sobre política x sindicalismo. Aos que não concordam, como ponderar que trabalho sindical se faz, também, com política?

Essa polarização é fruto de uma cultura bastante consolidada no Brasil de negar e relacionar a política a algo ruim. Estamos colhendo os frutos daquela máxima “política e religião não se discutem”, e esses frutos estão bem amargos. A política precisa ser refletida e discutida por cada um de nós diariamente, porque é a partir dela que se estabelecem nossas condições concretas de vida. Há uma lógica da virtude individual, que tenta alcançar todas as relações por nós estabelecidas.  A virtude está em “dar conta da vida sozinho”: eu sozinho, minha família nuclear sozinha, minha categoria profissional sozinha. Mas a natureza do sindicato não é essa e sua tarefa envolve relações que extrapolam a instituição em que trabalhamos. Os sindicatos, para cumprir sua função, precisam pensar e lutar pelos direitos dos trabalhadores em uma sociedade que tem o trabalho como grande mola propulsora, fonte de toda riqueza e de toda exploração. Um sindicato que se fecha em questões internas é um sindicato que tende a ser medíocre e completamente desconectado de sua função histórica. Nós queremos fazer um sindicato grande, com capacidade para o debate e a organização para a luta. 

Quem só conhece a Carol pelas redes do Sinjusc e/ou pelas visitas nas Comarcas, me fala quem é você.

A gente é sempre muitas coisas, né. Eu sou filha de um pai que durante todo o tempo que eu convivi com ele viveu com depressão. Eu entendo as dores do meu pai, sinto falta dele, me orgulho em parecer com ele em muitas coisas, mas tenho muito medo da tristeza. Ao mesmo tempo, tenho uma mãe que tem uma energia e uma capacidade de superar os problemas impressionantes e valoriza cada bom momento que tem. Eu gosto de me identificar com ela, a gente se olha e entende que têm muita força juntas. Eu tenho boas condições de vida e eu tento não dar muito peso para os meus problemas. Quero viver bem e luto para que os outros também tenham essa chance. Tenho muitos amigos, convivo festivamente com minha família extensa nos anos que não tem eleição, sou gulosa, curto ficar de preguiça, sou louca por livros e por música. Adoro dançar, adoro festa e se estou em casa passo o dia todo cantando. Sou uma pessoa muito alegre e é importante sublinhar que a luta e a militância devem trazer mais felicidade às nossas vidas e não nos transformar em sujeitos rancorosos e tristes. A militância é uma ética de vida e de felicidade.

A Carol, trabalhadora do Judiciário, da Comarca de Barra Velha e a Carol Presidenta do Sinjusc têm os mesmos sonhos?

A Carolina já não é a mesma pessoa, não será no final desta gestão. Mas os sonhos, a essência, são os mesmos e eu consigo enxergá-los na menina que fui um dia. Feita essa constatação, é preciso dizer que apesar dos problemas que todos temos que enfrentar, tenho sido uma mulher preservada na vida. Muitas meninas têm sonhos lindos, mas frente às dificuldades esses sonhos se tornam inviáveis até como horizonte de vida. Eu sempre fui curiosa, para mim, o pior pesadelo era não ter possibilidade de experimentar a vida, ficar parada, estática no tempo, ser uma pessoa conservadora. A militância me permite manter os sonhos acesos, vivos. O que tem mudado nesses últimos tempos é a maturidade para fazer a leitura da realidade, escolher as lutas e os embates, compreender os companheiros, criar afetos.

As desigualdades históricas de gênero, em termos ocupacionais no Sinjusc, estão aos poucos se dirimindo, mas é realista imaginar um Sinjusc sempre equânime em termos de representatividade?

Essa questão da equidade só vai se manter se a gente privilegiar a formação política das mulheres e criar condições concretas para que elas participem – o que tem acontecido no Sinjusc. Salvo raras exceções, eu não acredito em concessões por parte dos homens. Hoje, se a gente olhar para o Sinjusc, as mulheres são quem mais participam dentro da diretoria, nas representações e também na base. Nós estamos mais conectadas com as pautas e demandas do sindicato e, por isso, temos mais condições de fazer a representação.  Eu entendo que se a gente olhar as questões práticas, e não o privilégio histórico, as mulheres têm mais ferramentas para fazer a luta política. São mais resistentes perante as adversidades e têm mais espírito de grupo e capacidade de se organizar coletivamente. Eu observo mais personalismo e desejo de protagonismo individual nos homens, e isso fragiliza a luta. Eu entendo que se conseguirmos manter esse nível de mobilização, participação e formação das mulheres trabalhadoras do judiciário, a partir de uma perspectiva coletiva, será muito difícil que nos retirem da luta sindical.

Fazer política é um ato revolucionário, e pode ser acessível a mais mulheres. Como você acha que as mulheres podem ser liberadas de outras obrigações do gênero para poderem fazer política?

Eu não entendo que fazer política é um ato revolucionário. Para mim, é um ato cotidiano. Pensar que é revolucionário, uma “coisa do outro mundo”, é o que justamente nos afasta, nós mulheres, dos espaços de participação. Fazer política pode, sim, revolucionar a vida, é o caminho para isso, mas no fundo a política é mais um ato do dia a dia. Se pensarmos apenas na estrutura do machismo e da exploração das mulheres a partir de um olhar macro, logo concluiremos que será impossível liberar as mulheres da responsabilidade da reprodução social para participar da vida política. Mas se a gente pensa nas tarefas em si, no cotidiano mesmo, percebemos que dá para avançar dividindo com as mulheres as tarefas pelas quais são responsáveis. A curto prazo dá para organizar a dinâmica do sindicato para acolher as mães e seus filhos, criar canais de auxílio nas tarefas de cuidado, pensar agendas e horários  que sejam viáveis. Já pensando em um espaço de tempo maior, é importante investir em uma formação de gênero e classe que vá rompendo a estrutura do machismo.

 Quando você se entendeu como uma figura política?  E o que é uma mulher política?

Me entender como uma figura política tem sido um processo longo e sempre inacabado. É algo bem maior do que ocupar o espaço de presidenta do Sinjusc nesse momento da vida. Ser uma mulher política, que se entende a partir da luta e de uma ideia de coletividade, é um eixo que organiza meu jeito de me entender no mundo. Para ser mais objetiva, a política, para mim, se relaciona com a vida cotidiana e com a necessidade que nós trabalhadoras temos de construir estratégias para uma existência digna. Política, para mim, é ação. Eu entendo que a transformação das condições de vida exige que nós mulheres estejamos em lugares estratégicos de poder e de decisão que prioritariamente têm sido ocupados por homens e, por isso, eu reconheço a importância desta diretoria de mulheres no Sinjusc. Contudo, uma atuação política que se centre apenas nisso é insuficiente. Uma mulher política é aquela que luta a partir dos lugares em que está, que insere a ética da luta em seu cotidiano de vida, que ajuda a formar politicamente e apoia outras mulheres, que sabe abrir espaço e acolher quem chega e valoriza a luta de quem veio antes. Uma mulher política, na minha concepção, é um sujeito que constrói relações políticas com menos personalismo e mais solidariedade de gênero, raça e classe.

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