O telejornalismo do horário nobre mudou e quer se firmar como uma instância de controle social.
É sobre telejornalismo e controle que trata a tese de doutorado Controle Social e a Narrativa Moralizante do Telejornalismo, de Elizena de Jesus Barbosa Rossy, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília.
O telejornalismo tem a pretensão de mostrar às pessoas como deve ser a vida em sociedade. Os meios de comunicação e seus produtos (jornais impressos, blogues, a programação da TV e do rádio, e os canais na internet) produzem inimigos a serem combatidos. Sempre fizeram isso. O mais recente é a fake news, a notícia falsa.
A pesquisa de Elizena de Jesus Barbosa Rossy é consistente e tem 240 páginas. Ele fatia um produto da comunicação social, o principal telejornal da Rede Globo, e demonstra o passo-a-passo do novo jornalismo.
Ela não aborda a pauta, ou o que ficou fora dela. Vai no que a Globo permitiu veicular para mostrar que o jornalismo alicerçado na objetividade e imparcialidade não existe.
Esse mesmo jornalismo quer na verdade sequestrar opiniões. Para isso, impõe comportamentos sem que sua audiência perceba. No conjunto, a notícia das 20h vem ligada à novela que a antecede, assim como está relacionada com a novela das 21h.
Depois de ver as duas novelas e o telejornal, o marido, a esposa e os filhinhos têm uma opinião do mundo. Só que não é a de cada um. É a opinião que a Globo forneceu.
VOCÊ ESTÁ EM PERIGO!
A vontade ideológica de um meio de comunicação se tornar instância de controle social é muito perigosa.
Pesquisa do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa constatou que 92% das pessoas entrevistadas, com idade entre 15 e 64 anos, são incapazes de se expressar em texto ou interpretar tabelas e gráficos, ou opinar com base em argumentos.
Esse problema não é apenas brasileiro. Pesquisa da Universidade Stanford, EUA, com alunos de ensinos fundamental e médio e de faculdades revelou que a maioria é incapaz de diferenciar notícias produzidas por fontes confiáveis de anúncios e de informações falsas.
Apesar de a difusão de notícia falsa, boato e mentira não ser novidade – o historiador Procópio de Cesareia (século VI d.C.) escreveu o texto Anekdota, recheado de informações falsas, com o objetivo atacar o imperador Justiniano – o que preocupa agora também é o pouco tempo que uma notícia incorreta chega a milhares de pessoas em todo o mundo, e quem se autoriza como filtro para controlar as informações nas redes sociais e dizer se são ou não falsas.
As empresas de comunicação tentam se manter como a “consciência social”, chamando para si o dom de distinguir o falso do verdadeiro, servindo como modelo de imparcialidade, coisa que nunca foi.
Sobre isto, o artigo Pós-verdade, narrativas e fake news: palavras vazias diante do neomacartismo, do professor e tradutor da revista americana Executive Intelligence Review e do Instituto Schiller, da Alemanha, Rogério Mattos, é muito importante para compreender que o que está em jogo não é a audiência, mas o que fazer para que essa audiência pense como os meios de comunicação querem.
CONTROLE
O controle da narrativa passou por dois processos recentes. Se antes o jornalismo era aceito como verdadeiro por conta de suas características fundamentais, a imparcialidade entre elas, agora não é mais assim.
Os meios de comunicação deixaram suas características, reconhecidas socialmente, em segundo plano, para assumir de vez um papel ideológico.
Quando um jornal estampa uma manchete contra as fake news de hoje, alguns jornalistas deveriam lavar a boca com água e sabão.
Essa mídia corporativa, empresarial, também chamada de grande mídia, nunca deixou de escamotear, esconder e apagar fatos relevantes. Agora chama para si o poder de dizer o que é ou não é notícia falsa. Não é por nada. As empresas de comunicação sentiram o golpe da força das redes sociais.
O jornalismo como tradutor da verdade sempre seguiu cambaleando. Alguns apontam que a derrubada das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 e o Ato Patriota deram impulso ao trôpego sistema. Foi por esta época que se divulgaram as teses sobre a pós-verdade.
Desse momento em diante, se para o Estado não importa quem você é, mas quem o Estado acha que você é, para ser processado, preso e torturado, o seu braço, a comunicação, faz o mesmo, e estabelece a verdade sem comprovação. Quando um telejornal diz, é verdade.
Mas não pensemos, mais uma vez, que isto é um fenômeno descolado da trajetória dos meios de comunicação e do aprisionamento da narrativa e da verdade.
Quando da morte do Papa João Paulo II, ouvintes da Rádio Guaíba, de Porto Alegre, RS, só acreditaram no fato mais tarde do que os ouvintes da Rádio Gaúcha. A Guaíba tardou algum tempo para checar a informação e deu a notícia depois da concorrente.
Durante um bom tempo, ouvintes da Guaíba diziam acreditar tratar-se de notícia falsa, já que a sua emissora não havia confirmado o fato. O meio de comunicação, como se vê no exemplo, é maior do que a informação. Carrega em si uma verdade, que o público acha que é a mesma dele.
PÚBLICO PASSIVO
A passividade do público foi estudada e comprovada. Se não for desligada, a TV planta mensagens que serão reproduzidas.
É difícil fazer com que as pessoas acreditem que os meios de comunicação não querem exatamente acabar com as notícias falsas.
Muito antes dos meios de comunicação mantidos por grupos econômicos e com farta verba do Estado, o interesse de acabar com as notícias falsas está nos bairros da periferia, nos sindicatos de luta, nas organizações da sociedade que luta por dignidade e justiça.
Uma empresa privada, proprietária de jornais e revistas, ou concessionária de rádios e TVs, ou dona de canais na internet, jamais terá como princípio fundamental o bem comum de seus consumidores de informação. Em primeiro vem o lucro. E com ele, as técnicas para a domesticação.
Alguma resistência vem sendo feita. Prova disto são os debates, mesmo que ainda muito centralizados, do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) e a carta aberta de representantes da sociedade civil da América Latina e do Caribe sobre as preocupações relativas ao discurso sobre fake news e eleições, divulgada pela Coalizão Direitos na Rede.
Para as organizações que assinam a Carta, prioridade é tratar de informação e desinformação, diante do evidente poder assumido pelas empresas donas de meios de comunicação, o que é uma ameaça à democracia. E isso é tudo o que não precisamos nesse momento, depois da Emenda Constitucional do Teto, da Reforma Trabalhista, da precarização do trabalho, do desemprego em massa, e de governos obedientes aos mesmos de sempre.
Excelente texto! Os links para consulta, também. Precisamos desse tipo de artigo. Elevar o nível do debate é fundamental para classe trabalhadora.
Caro José, certamente elevar o nível do debate para os trabalhadores é essencial. Agradecemos pelo comentário e participação.