Por Andreia Espindola*
O mês de janeiro de 2022 iniciou marcado por dois feminicídios de trabalhadoras do Poder Judiciário catarinense: Cleci Kehl Zeppe, 34 anos, funcionária terceirizada do Fórum de Dionísio Cerqueira, mãe de uma adolescente de quinze anos e de uma menina de seis anos e Indira Mihara Felsky Kringer, 35 anos, técnica judiciária auxiliar que atuava na comarca de Itajaí.
Cleci e Indira, ambas na faixa etária dos trinta anos, eram jovens que com certeza possuíam sonhos, afetos, objetivos e muito ainda tinham por fazer, vivenciar quer por elas, quer para os seus, quer para suas comunidades ou locais de trabalho, mas tiveram suas trajetórias de vida violentamente interrompidas, deixando lacunas, dores, ausência, saudades.
Cleci era mãe, inimaginável a dor, o abalo, as sequelas que ficarão para as filhas acrescentado ainda pela necessidade de tios ou talvez avôs já fragilizados pela idade assumirem os cuidados das meninas quando nem mesmo um suporte material minimamente adequado para órfãos é garantido no Brasil (com as modificações nos sistemas de previdência brasileiros, pensões por morte hoje não são mais integrais). [1]
Magistradas também não são poupadas de vivenciarem situações de violência doméstica e até mesmo terem suas vidas ceifadas por companheiros e esposos. Em agosto de 2017 em Campinas (SP) a juíza trabalhista Claúdia Zerati, 46 anos, foi morta pelo marido, um delegado de polícia, e em dezembro de 2020, véspera de Natal, a magistrada Viviane Vieira do Amaral, 45 anos, foi assassinada pelo ex-marido na frente das três filhas no Rio de Janeiro.
A morte da magistrada Viviane Vieira do Amaral parece ter acentuado a sensibilidade do Conselho Nacional de Justiça com o problema da violência contra a mulher, bem como da necessidade de reconhecer que a questão também atinge suas trabalhadoras, que espaços de acolhimento precisam ser pensados, oferecidos.
[1] Bastante apropriado que a imprensa comece a dar maior visibilidade para as sequelas, os impactos na vida das crianças e adolescentes que perdem genitoras, bem como para os próprios agressores e suas famílias.
Em agosto de 2021 o CNJ recomendou que os órgãos do Poder Judiciário que adotassem o Protocolo Integrado de Prevenção e Medidas de Segurança voltado ao enfrentamento à violência domestica praticada em face de magistradas e servidoras, mas infelizmente parece que este pouco foi divulgado, debatido, considerado realmente necessário.
A literatura e o depoimento das vítimas sinalizam que a rota para mulher que denuncia violência doméstica não costuma ser tranquila, muitos são os percalços, as revitimizações e até surpresas. Estudos referentes as peculiaridades, as particularidades desta rota para mulheres que atuam nos sistemas de justiça ou da área de segurança pública ainda precisam ser realizadas. [1]
Lembramos que em outubro de 2021 servidoras e magistradas catarinenses foram convidadas a participar de uma pesquisa intitulada: Violência Doméstica contra magistradas e servidoras dos sistema de Justiça das pesquisadoras Luciana de Oliveira Ramos, professora vinculada à Faculdade de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Fabiana Cristina Severi, professora vinculada à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP-SP.
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero lançado pelo CNJ em outubro do ano passado bem como o Protocolo com orientações para escuta humanizada e não revitimizadora da mulher em situação de violência do TJSC são marcos importantes, indicativos que esforços estão sendo realizados para as mulheres encontrarem um atendimento qualificado, humanizado. Contudo, seria muito importante um chamado maior dos profissionais da base para que estudem os referidos documentos, para que conheçam suas diretrizes, orientações. Importante também um chamado para os membros do Ministério Público catarinense.
Compreendemos também ser um avanço para as mulheres que o Protocolo de Julgamento de Perspectiva de Gênero reconheceu que “a alegação de alienação parental tem sido estratégia bastante utilizada por parte de homens que cometeram agressões e abusos contra suas ex-companheiros e filhos (as) para enfraquecer denúncias de violências.”
[1] Mulheres de classe média que recebem pensão alimentícia para seus filhos são surpreendidas por uma política tributária injusta, precisam pagar imposto de renda (que pode atingir o percentual de 27,5%) enquanto o genitor alimentante pode deduzir de seus rendimentos a integralidade dos alimentos fixados por decisão ou acordo judicial (ver Manual de Direito de Famílias de Maria Berenice Dias – Editora Revista dos Tribunais Ltda – 2017).
Em entrevista concedida, no último dia 18 de janeiro de 2022 para Assessoria de Imprensa do TJSC a magistrada Naira Brancher, integrante da CEVID, Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, colocou entender que o caminho da prevenção e do combate a esse tipo de violência é interminável: “A cada mulher morta, a cada mulher agredida, todas nós somos feridas, mas não vamos deixar de caminhar, por nós, por elas, pelas que vieram antes de nós e por todas que ainda virão”.
O Coletivo Valente também está presente nesta marcha e neste momento de perda de mulheres tão próximas presta sua solidariedade aos familiares das vítimas Cleci Kehl Zeppe e Indira Mihara Felsky Kringer.
*Andreia Espindola é servidora do TJSC e Valente