Ser criativo é ser original, é fazer algo diferente. Escrever uma “carta aberta”, por exemplo, não é ser criativo. Mas entre computador, fogão, processo virtual, tarefa da escola, remédios de idosos, máquina de lavar roupa e vassoura quem tem tempo para ser criativo?
Sugerir que mães e mulheres desprezem seu cansaço, descuidem de sua saúde, afundem-se em ansiedade não é fomentar a criatividade, é exigir-lhes mais abnegação. A sobrecarga e a invisibilidade do trabalho de mães e mulheres não contêm nenhum traço de originalidade, uma vez que no correr da História têm sido o sustentáculo de diferentes formas de organização social.
Trabalho não remunerado, acúmulo de funções, desconsideração do sofrimento, negação da própria individualidade – são estas as marcas da experiência cotidiana de mães e mulheres trabalhadoras. As tecnologias de organização do trabalho têm sido primorosas no sentido de “ornamentar” a exploração, entretanto, em momentos de crise como este que estamos vivenciando a realidade acaba por se impor de maneira contundente.
Em um cenário em que 1) os números relativos à proliferação do COVID 19 só fazem aumentar; 2) os leitos de UTI no Estado estão prestes a alcançar a taxa máxima de ocupação; 3) as aulas presenciais já foram suspensas até o final do ano; e, 4) o suporte familiar para o cuidado de crianças e idosos está
prejudicado pelas necessárias medidas de isolamento, a instituição TJSC, um Poder de Estado, sugere que usemos nossa criatividade para compatibilizar o retorno ao trabalho presencial com os cuidados das crianças e das pessoas idosas.
A estratégia não é nova: número reduzido de trabalhadores; imposição de metas impraticáveis; gestão do trabalho por pressão e assédio moral; privilegiamento de funções gratificadas no lugar de um plano de cargos e salários para todos – ou seja, nada além do “bom e velho” VIREM-SE
Nós, mães e mulheres, trabalhadoras do Poder Judiciário de Santa Catarina, exigimos
a) um plano de execução do trabalho que tenha em conta o momento atual e que diminua a pressão e assédio que estamos vivenciando;
b) a aplicação de um protocolo de retorno com base em um cenário epidemiológico concreto e com fases relacionadas aos números de mortes e contágio e à capacidade do sistema de saúde no Estado (como já está sendo construído pela UFSC);
c) a participação dos servidores, representados pela entidade sindical SINJUSC, na organização dos protocolos de retorno e organização do trabalho no pós-pandemia;
d) a garantia da manutenção do home office para mães e pais com filhos em idade escolar durante o período de suspensão das aulas presenciais – sem que isso acarrete em prejuízo aos demais colegas;
e) a oferta de EPIs em quantidade e qualidade adequadas e a readequação dos espaços físicos nos fóruns com vistas a diminuir o risco de contágio. Documentos que dizem que é preciso “limpar o carro depois de fazer visitas domiciliares” ou “colocar celulares em sacos plásticos” são indicações de cuidado válidas, mas estão longe de representar um protocolo de saúde organizado por um Poder de Estado.
Em um contexto extremo como este que estamos vivendo, sugerir que os trabalhadores tenham criatividade sem apresentar um planejamento institucional adequado representa uma afronta aos servidores e também à toda a população que utiliza os serviços da instituição. Não pensem que vamos nos calar vendo nossa carreira precarizada (como aconteceu no dia de ontem com a suspensão da contagem de triênios e licença-prêmio), ao passo que nos últimos meses apresentamos índices altíssimos de produtividade e as informações sobre a saúde econômica da instituição têm sido escamoteadas sob o argumento genérico da crise – lembrando que os cortes no orçamento começaram em janeiro. Querem economizar? Comecemos respeitando o limite constitucional.
Nós não estamos sugerindo à cúpula do TJSC os mesmos esforços sobrenaturais que a sociedade exige de nós, mães, todos os dias. Por hora nada de criatividade, basta que cumpram o seu dever assim como nós, mães e mulheres trabalhadoras, temos cumprido com o nosso.
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Ilustração: Letícia Valério