Por André Francisco
Participar das afloradas discussões de gênero parece um lugar estranho para um homem branco, cisgênero, que sempre se afirmou heterossexual, de classe média, educado em colégios particulares e vinculados à educação religiosa, e que deveria trazer dentro de si, não só toda a formatação de uma educação machista, moralista, heteronormativa, binária e patriarcal, como também sua conformidade e contentamento com essa estrutura, uma vez que, a princípio, ela o beneficia com uma série de privilégios e possibilidades que o projetam como parte da masculinidade hegemônica dominante.
Porém, o objetivo desta reflexão é justamente sublinhar a necessidade de trazer para o universo dos homens os debates que sempre pareceram ser pauta feminina e que nos últimos anos ganharam força também com os temas que sustentam as lutas LGBTTIQA+. Apesar de não possuir o que se convencionou chamar de lugar de fala dentro desse universo de discussão, acredito que o lugar de ação para as pessoas como eu se encontre justamente no lugar de escuta e assimilação dos questionamentos que o pensamento feminista construiu para questionar a hegemonia machista, a qual, quer eu queira, quer não, me ofereceu e me oferece inúmeros espaços privilegiados de atuação sexual, social e política.
Desta maneira, meu desejo não é encontrar nenhum protagonismo, nem reivindicar nenhuma posição de destaque para os homens dentro deste debate. Muito pelo contrário. O intuito é provocar os masculinos com o fato de que a hegemonia também só nos coloca em situações que, apesar de parecerem privilegiadas, são na verdade uma grande armadilha. Nunca encontrei pensamento tão poderoso e fundamental, tão vinculado à realidade e as nossas ações cotidianas, tão capaz de desmontar todo sistema ocidental em suas estruturas, sejam elas religiosas, científicas ou morais quanto as teorias de gênero.
É impressionante como o filtro da luta contra uma hegemonia machista e heteronormativa é capaz de perpassar toda a cultura e história do ocidente, além de se mostrar eficiente e objetiva ferramenta para refletir um novo código ético e político para os anos vindouros. O machismo controla a vida social, política e sexual das mulheres lhes tirando direitos, espaços de fala e ação, e principalmente limitando seu prazer. Mediante uma grande gama de expectativas para as quais as mulheres são lançadas desde a sua formação, criam-se contextos em que muitas vezes as mulheres são incitadas a construírem a própria armadilha, se usando como isca e aprisionando a si mesmas dentro de si próprias.
O machismo levanta muros e guaridas armadas para que a mulher não saia de si, não exista, não seja. Na ontologia do machismo não há espaço para o ser mulher em sua plenitude. Ainda nesse contexto, é fundamental destacar a homofobia e a rejeição às identidades de gênero que não se adequem a esse sistema binário, heterossexual e hegemônico.
O machismo usa a homofobia da mesma maneira que usa a violência contra a mulher. Vinculadas muitas vezes a pensamentos religiosos que tomam para si anacrônicos paradigmas científicos construídos justamente dentro do contexto hegemônico e muitas vezes manipulados para justificar a própria hegemonia, as atitudes homofóbicas são na maior parte das vezes uma resposta de insegurança machista a todo stress constitutivo do ser macho: o embrutecimento, a violência, a competitividade, etc…
E, se com certeza estamos totalmente envolvidos por um sistema e um modelo de ação e pensamento machista, é também importante entender que essa estrutura foi construída, principalmente dentro da cultura ocidental, burguesa e capitalista dos através dos séculos. É uma construção histórica, que nos remete a pensamentos que estão na base de algumas de nossas mais vigentes estruturas intelectuais, sociais e políticas.
Dessa forma, apesar de parecermos enjaulados dentro desse processo de reprodução de modelos existenciais, nos resta ainda a possibilidade de que, se é a identidade de gênero algo construído, podemos buscar pelo menos compreender essa construção para intentar sua (des/re)construção.
E, como masculinos, precisamos entender e compreender cada vez mais que, a formação da nossa identidade e a atuação da nossa performance de gênero é doente, arcaica, preconceituosa e nociva a grande parte das pessoas. É necessário aceitar que fomos educados para assumir um mundo que é devotado a uma série de valores e princípios que precisam ser colocados em dúvida sempre, a cada minuto.
Assim, percebo que dificilmente a minha geração vai conseguir deixar para trás todos os vícios machistas, porém é fundamental agir para interromper esse ciclo (e me parece que uma reflexão sobre a formação e a educação do menino cisgênero se torna fundamental). Para o homem adulto, refletir sua própria formação, talvez seja um lugar que o permita revisitar violências que foram naturalizadas na sua construção masculina.
Afinal, tornar-se o homem que cumpre as expectativas hegemônicas, binárias e patriarcais, também gera enorme sofrimento, principalmente na infância. E, ficar pelo caminho – e não conseguir cumprir essas expectativas – gera uma enorme sensação de desconformidade e frustração, principalmente na adolescência e na juventude.
André Francisco é formado em Filosofia/UFSC. Mestrando em teatro
no PPGT/UDESC, ator, diretor, produtor teatral, coordenador e gestor do espaço cultural Casa Vermelha, sede do grupo Teatro em Trâmite.