“Previdência não é gasto, é investimento”, carta de um servidor do judiciário catarinense

Melhor do que lutar pelo nosso direito a uma aposentadoria digna é saber que estamos rodeados de pessoas do bem, inteligentes e sensatas. Recebemos dezenas de manifestações durantes os últimos meses em apoio às nossas lutas contra a reforma da Previdência em Santa Catarina e uma delas nos chamou atenção nesta semana. Foi o desabafo do Tiago Masutti, servidor público, que somando na luta, enviou e-mail aos deputados catarinenses.

Com sua autorização, publicamos na íntegra, abaixo, o seu posicionamento.

*Tiago Masutti Brasil

Prezado Deputado Ivan Naatz,

Tramita na Assembleia Legislativa de SC a proposta de Reforma da Previdência Estadual. A justificativa seria o fato desta apresentar um suposto “déficit”. Com respeito, convido-lhe a fazer uma pequena reflexão sobre o conceito de “déficit”, em relação ao orçamento público.

Pergunto-lhe: Faz sentido, ao senhor, falar em “déficit” financeiro na Saúde? Faz sentido falar em “déficit” financeiro na Educação? Faz sentido falar em “déficit” financeiro na Segurança?

Deputado, veja bem, não faz sentido falar em “déficit” nesses setores, porque a sociedade brasileira, representada por seus deputados federais e constituintes, de acordo com os princípios constitucionais de 1988, definiu que há setores na economia que são de natureza eminentemente Pública, ou seja, não precisam ter “saldo financeiro positivo”, pois são essenciais ao próprio funcionamento da República e ao bom andamento da sociedade como um todo.

Esses setores mencionados, e entre eles encontra-se a Previdência, não devem estar sujeitos à “lógica do mercado”, muito menos à “lógica do lucro”. Não devem ser vistos pelo legislador como “despesas”, sujeitas à lupa de um assessor contábil, para que este verifique se há, individualmente em cada um desses setores, “furos no orçamento”. Esses são bens imateriais, atemporais e coletivos de toda a sociedade presente e das gerações futuras.

O saldo positivo desses setores deve ser verificado não por um Contador, mas sim por um Estadista, por um legislador e por um gestor com visão de longo prazo, que compreendam que esses setores dão lucro para a sociedade quando vistos no todo, e não de forma individualizada. O saldo positivo para o Estado é a manutenção de uma sociedade coesa, azeitada, e com rumos, com uma base mínima de segurança social e institucional para o progresso de seu povo, seus empresários e trabalhadores, independentemente de classe, origem, raça, cor ou sexo.

O lucro desses setores para o Estado não é financeiro, nem contábil, mas político, econômico e social, no longo prazo. Esses setores não são Custos ao Estado, mas sim Investimentos Mínimos, necessários ao seu bom funcionamento!

Da mesma forma, se um empresário trabalha com automóveis, ele pode acreditar que a gasolina esteja muito cara, e que representa um custo muito grande ao seu negócio. Mas esta seria uma visão equivocada, já que, na verdade, o combustível não é apenas um “custo”, mas sim um investimento, necessário à boa saúde estrutural de seus negócios como um todo, no longo prazo.

Ele poderia lutar politicamente para que a gasolina se tornasse mais barata, mas jamais poderia “cortar custos” de sua empresa com combustível, sob pena de arruinar completamente seu modelo de negócios.

Sendo assim, o legislador constituinte de 1988 definiu que esses setores essenciais, como Saúde, Educação, Segurança, seriam custeados por impostos, independentemente de seus custos orçamentários – e a Previdência Pública, seja a nível federal, estadual ou municipal, deve seguir esta mesma lógica.

Além do mais, o Brasil tem um corpo de funcionalismo público e de cobrança de impostos na média mundial, nem abaixo, nem acima, de forma que a única explicação para o suposto “mau funcionamento” da máquina pública não está na carga tributária, mas sim na na sua incidência justamente sobre os mais pobres, sobre os trabalhadores e aposentados, dificultando a redistribuição de renda na economia e a circulação do dinheiro, restringindo assim a demanda e o consumo, bem como na má gestão dos recursos públicos, na sonegação fiscal de grandes empresas, nos juros excessivos do setor financeiro e na inexistência de auditoria sobre o montante da Dívida Pública (que sozinha consome mais de 40% do orçamento anual da União, por exemplo).

Ainda, a Teoria Monetária Moderna (ou M. M. T., em inglês), muito em voga atualmente nos meios econômicos e acadêmicos nos países desenvolvidos, inclusive na Europa e nos Estados Unidos, advoga que o Estado com soberania monetária, como é o Brasil, não possui restrições essencialmente contábeis, mas sim restrições apenas na realidade dos recursos econômicos reais da sociedade.

Desta forma, o estado brasileiro pode, em tese, controlar sua emissão de moeda, bem como sua contenção através de impostos, de forma que o “bolo” de dinheiro circulante na economia esteja sempre de acordo com as necessidades da sociedade e do Estado. Um dos grandes defensores desta tese no Brasil, atualmente, é o economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, que critica fortemente a política de austeridade fiscal hegemônica no país.

É sabido entre os economistas sérios que o Estado não é um custo para a sociedade, mas um indutor da economia como um todo. O Estado não está ao sabor dos ventos do mercado, ao contrário, ele cria e induz o mercado, criando ou reprimindo demandas econômicas.

O Estado pode ser mais eficiente, da mesma forma que o empresário de automóveis pode lutar para que o consumo de combustível de seus carros seja mais eficiente – porém o gestor público ou privado precisa encontrar o fino equilíbrio entre o corte de custos e a sustentabilidade de longo prazo de seu negócio, atentando para aqueles “custos” que se confundem com investimentos.

No caso da Previdência, e desses outros setores públicos essenciais como Saúde, Educação e Segurança, entre outros, o corte de custos está indo longe demais, de forma que o melhor ponto de eficiência já foi ultrapassado. Neste sentido, o Estado está cometendo uma espécie de suicídio, ou “austericídio”, inviabilizando sua continuidade de longo prazo, justamente por uma visão míope de seus legisladores e gestores, que não conseguem enxergar esse fino equilíbrio entre Custos x Investimentos, entre Eficiência x Sustentabilidade do Estado.

Desta forma, respeitosamente, como cidadão e eleitor, submeto estas considerações à vossa apreciação, na esperança de que o nobre Deputado Estadual, nas questões abordadas e especialmente na Reforma da Previdência Estadual, exerça um voto de Grande Estadista, com visão de longo prazo.

Atenciosamente,
Tiago Masutti Brasil
Trabalhador, Servidor, Cidadão e Contribuinte
Morador de São José – SC

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