A morte da representatividade

Por Liliane Fátima Araújo, Diretora do SINJUSC

Quase uma semana após o lançamento da Revista Valente, em que foram abordados temas sobre a condição feminina na sociedade e promovido debate entre a categoria, nos deparamos com a notícia de que mais uma mulher entra para as estatísticas com sua vida.

Por que a execução de Marielle Franco, uma das vereadoras mais votadas do Rio de Janeiro em 2016, precisa ser destaque aqui, na página do Sindicato? É esta uma pergunta que muitos nos fazem.

Na correria e na agonia do cotidiano, treinamos nosso olhar para o próximo e o imediato, ou como dizemos por aqui, para o corporativo. Assim fazemos por diversos motivos, mas principalmente porque vivemos em uma sociedade que cultua o individual em detrimento do coletivo, uma sociedade onde a urgência de sobreviver, estar empregado, produzir mais, ganhar mais para comprar mais educação, mais saúde e mais bens, acaba por absorver todo nosso pensamento e conduzir nossas ações (e inações).

Marielle não é apenas mais uma mulher assassinada (que por si só, já justificaria que abríssemos espaço para ela aqui), ela, sozinha, é uma multidão de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Quando uma mulher negra, favelada, trabalhadora, lgbt, mãe e militante chega a algum lugar, consegue qualquer projeção, isso produz em uma rede infinita de mulheres uma sensação com a qual mulheres brancas, de classe média e heterossexuais estão um pouco mais habituadas: a de se sentirem representadas. Essa representação gera, entre outras coisas, uma consciência de que é possível, um empoderamento coletivo.

E o contrário? O que o assassinato de uma liderança como essa produz no imaginário da sociedade (lembrando que somos todas e todos parte da sociedade)? A naturalização da violência contra alguém que luta contra o racismo, contra a exploração e contra o machismo, ou ainda, nossas lutas específicas como categoria e trabalhadores do judiciário, produz efeitos apenas nessa pessoa e no grupo de pessoas de seu círculo? Quem são as usuárias dos nossos serviços públicos e, o que a morte de uma liderança negra e periférica diz sobre a violência que elas sofrem? A matança, o estupro, o espancamento e o silenciamento de mulheres, não merece a nossa atenção a menos que sejam nossas colegas de trabalho ou de academia? Quem era o verdadeiro alvo dos assassinos de Marielle?

Quem tem qualquer compromisso com a construção de um mundo mais seguro, mais justo e feliz tem a obrigação de fazer com que Marielle continue sendo ouvida. Temos, mulheres, trabalhadoras e trabalhadores, a obrigação de exigir uma apuração rigorosa e a punição de todos ao envolvidos. Isso porque hoje, além dessa mulher lutadora, morreu mais um pouquinho da nossa dignidade.

Marielle Franco, presente!

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