Por Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Com o intuito de defender a contrarreforma da Previdência de que trata a PEC 287/2016, no dia 26 de janeiro de 2017, o atual secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, veio a público apresentar catastrófico “déficit” da Previdência, o qual teria atingido em 2016 o valor de R$ 149,7 bilhões .
O secretário ressaltou que esse “déficit” é referente ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e engloba tanto o setor urbano, que teria alcançado “déficit” de R$46,8 bilhões, como o setor rural, no qual o “déficit” teria chegado a R$103,4 bilhões. Chegou a admitir que no período de 2009 a 2015 o setor urbano do RGPS foi superavitário, e logo emendou que “a tendência é deficitária” (!), sem se atentar para o fato de que tivemos ano de desemprego recorde que nada tem a ver com a tendência do nosso potencialmente rico país.
Em sua apresentação o secretário fez questão de frisar, mais de uma vez, que nesse déficit não há incidência da DRU – Desvinculação das Receitas da União-, esclarecendo que caso esta fosse computada, o déficit seria ainda maior. Porém, em momento algum mencionou que deixou de computar a DRU porque também não computou o conjunto de receitas que sustentam a Seguridade Social, da qual a Previdência é parte integrante.
Desmascarando o “Déficit”
O propagandeado “déficit da Previdência” é uma farsa. A conta feita para mostrar o “déficit” é uma conta distorcida.
A Previdência Social é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e foi uma das principais conquistas da Constituição Federal de 1988.
Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé , estabeleceram também as fontes de receitas – as contribuições sociais – que são pagas por todos os setores, ou seja:
empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS);
trabalhadores contribuem sobre seus salários (INSS);
e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (COFINS).
Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos, PIS, PASEP, entre outras.
A Seguridade Social tem sido altamente superavitária nos últimos anos, em dezenas de bilhões de reais, conforme dados oficiais segregados pela ANFIP . A sobra de recursos foi de R$72,7 bilhões em 2005; R$ 53,9 bilhões em 2010; R$ 76,1 bilhões em 2011; R$ 82,8 bilhões em 2012; R$ 76,4 bilhões em 2013; R$ 55,7 bilhões em 2014, e R$11,7 bilhões em 2015.
O reiterado superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da Previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros e brasileiras. Isso não ocorre devido à prioridade na destinação de recursos para o pagamento da chamada dívida pública, que vem absorvendo cerca de metade do orçamento federal anualmente, e que nunca foi auditada, como manda a Constituição.
O falacioso déficit apresentado pelo governo é encontrado quando se compara apenas a arrecadação da contribuição ao INSS paga por empregados e empregadores (deixando de lado todas as demais contribuições que compõem o orçamento da Seguridade Social) com a totalidade dos gastos com a Previdência, fazendo-se um desmembramento que não tem amparo na Constituição e sequer possui lógica defensável, pois são os trabalhadores os maiores contribuintes da COFINS.
Essa conta distorcida, que compara somente a contribuição ao INSS com os gastos da Previdência produz a farsa do “déficit” que não existe.
O artigo 194 da Constituição é claro ao estabelecer a Seguridade Social como um sistema integrado composto pelas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social, ao passo que o artigo 195 trata do financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade. O desmembramento da Previdência afronta a Constituição, que em momento algum diz que seu financiamento seria arcado somente pelas contribuições ao INSS.
O governo tem se omitido reiteradamente e não apresenta o orçamento da Seguridade Social como deveria.
A simples existência do mecanismo da DRU já comprova que sobram recursos na Seguridade Social. Se faltasse recurso, não haveria nada que desvincular, evidentemente. Cabe lembrar que a DRU, criada desde 1994 com a denominação de Fundo Social de Emergência, teve sua alíquota majorada em 2016, e desvincula até 30% dos recursos da Seguridade Social para transferi-los para o pagamento de parte dos juros da dívida pública.
É preciso retirar as máscaras do falacioso “déficit” da Previdência, a fim de enfrentar esse necessário debate de maneira honesta. Para isso, o governo deve apresentar os dados completos do orçamento da Seguridade Social dos últimos anos, informando ainda os montantes desviados por meio da DRU; os montantes correspondentes às desonerações concedidas tanto ao setor urbano como rural; os créditos tributários que não são executados, atentando ainda para os erros da política monetária que jogaram o país nessa absurda crise que comprometeu a arrecadação do INSS, devido à elevação do desemprego para mais de 12 milhões de pessoas, além das 64 milhões de pessoas em idade de trabalhar, porém, fora do mercado de trabalho em nosso país.
A distorcida análise desse falacioso “déficit” não pode servir de justificativa para a PEC 287, cujo principal objetivo é favorecer ao mercado financeiro, como trataremos em outro artigo.
Conclamamos o secretário Marcelo Caetano e demais responsáveis a vir a público apresentar os dados completos da Seguridade Social, DRU, desonerações, créditos, e potencial de arrecadação por meio de políticas de combate ao desemprego, a fim de que possamos realizar o debate sobre a Previdência sem máscaras.